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A definição existente na Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, no artigo 284.º, para um acidente de trabalho, indica que uma ocorrência é considerada como acidente de trabalho nas seguintes condições:
“1 – É acidente de trabalho o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho.”
No artigo seguinte, o 285.º, este conceito algo limitativo é alargado, tendo a seguinte contextualização:
“Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos definidos em legislação especial;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;
c) No local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
e) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso;
f) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por este consentidos.”
Este alargamento veio incluir algumas situações, nomeadamente as ocorrências verificadas no trajecto de e para o local de trabalho. Contudo, há uma outra situação não contemplada, mas que cada vez mais deve ser tida em conta, que é o aspecto do suicídio (sintoma de sofrimento egodistónico, ou seja, diz respeito ao sofrimento em desequilíbrio com o “eu”, é um sofrimento que não nos permite recuperar o equilíbrio perdido) no local de trabalho e a questão de ser ou não contemplado como acidente de trabalho. Não se pretende, com este artigo, categorizar o suicídio como acidente de trabalho, mas sim chamar a atenção para um conjunto de riscos psicossociais emergentes, onde um dos desfechos para os mesmos pode ser o suicídio.
“Qualquer dos riscos psicossociais podem, lamentavelmente, resultar no suicídio do trabalhador, o que nos leva à questão se seria possível qualificar o suicídio como acidente do trabalho” [3]. O autor desta frase apresenta, no artigo de onde a mesma foi extraída, argumentos a favor e contra a categorização do suicídio como acidente de trabalho. Um dos argumentos contra é a “possibilidade de fraude, pois quem já estivesse decidido a suicidar-se o faria em local e horário de trabalho para favorecer os beneficiários da pensão por morte” [3]. Apresenta como argumentos a favor, por exemplo, algumas citações de sentenças de tribunais, nomeadamente uma decisão de um tribunal da Galiza que “considerou acidente de trabalho o suicídio de um trabalhador uma vez que ‘desde oito dias antes do suicídio o trabalhador havia comentado que não era dono de si (e) que em casa algo estava acontecendo; havia deixado de se alimentar, mais, ainda assim, teve de seguir trabalhando, fazendo rondas, o que implicava uma acumulação de stress laboral; no mesmo dia do acidente tentou infrutiferamente comunicar-se telefonicamente com seu domicílio; e a acumulação de todos estes factores pessoais e laborais conjuntamente com o padecimento, influenciaram de forma decisiva para o desenlace autolítico, pelo que o dito desenlace tem uma conexão causal com o trabalho’”[3].
Contudo, o mesmo autor não explicita concretamente uma tendência no sentido de categorizar indubitavelmente, ou não, o suicídio como acidente de trabalho, deixando a porta aberta para que, situação a situação, caso a caso, e tendo em atenção os antecedentes de diversa ordem, essencialmente do suicida, tal possa ser considerado.
E porque é que esta questão do suicídio deve ser tida em conta, se a definição base de “acontecimento súbito e imprevisto” para um acidente de trabalho não parece enquadrar e/ou ajustar-se a um suicídio? A resposta não é directa, nem tão-pouco clara, mas também o é suficientemente aberta para que se possa considerar o suicídio como um acidente de trabalho. Basta, para tal, e como já foi referido, pensar-se numa categoria de riscos profissionais cada vez mais significativos: os riscos psicossociais.
O enquadramento de um acidente como sendo de trabalho, até há relativamente pouco tempo, parecia estar “reservado” à perda da saúde física dos trabalhadores. O facto de o estado de saúde de uma pessoa depender, quer da sua componente física, quer da psíquica, como, aliás, se pode depreender pela definição que a OMS (Organização Mundial de Saúde) faz de saúde e que é “o estado de bem-estar físico, mental e social completo e não somente a ausência de dano ou doença” vem “trazer à baila” a questão mais que nunca actual e pertinente dos riscos psicossociais.
De acordo com um relatório da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (AESST) (Janeiro de 2008), as novas tecnologias, os novos materiais e os novos e complexos processos de trabalho estão a contribuir decisivamente para as situações de riscos psicossociais daí decorrentes ou com elas relacionadas. Esta constatação verificou se e atribui-se ao facto de, até então, pouco ter sido feito ao nível da prevenção que as novas situações podem trazer ao nível do stress e mesmo até da degradação da saúde dos trabalhadores, seja a nível físico, seja mental [2].
Jukka Takala, Director da AESST, referiu que a “vida profissional na Europa está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado. A insegurança no emprego, a necessidade de ter vários empregos e a intensificação do trabalho podem gerar stresse profissional e colocar em risco a saúde dos trabalhadores. É necessário monitorizar e melhorar constantemente os ambientes de trabalho a nível psicossocial” [4].
Os riscos psicossociais são cada vez mais importantes, porque se desenrolam numa fronteira por vezes muito ténue entre o mundo privado – o psiquismo individual – e o mundo social, que inclui, entre outras, as situações vividas em ambiente de trabalho.
Por isso, os riscos psicossociais têm, nos últimos tempos, sido cada vez mais considerados e tidos em linha de conta pelos técnicos que efectuam as avaliações de riscos nas mais diversas empresas e/ou instituições, uma vez que os riscos psicossociais mais comuns e, ao mesmo tempo, importantes, estão relacionados aspectos como a insegurança no emprego, as exigências emocionais elevadas e a cada vez mais difícil conciliação vida profissional / vida privada. Sobre esta última questão, há a referir, como dado a observar, que mais de 40% dos trabalhadores da União Europeia com 27 Estados-Membros que têm horários de trabalho longos ou alargados indicam que é difícil a conjugação entre a sua vida profissional e a sua vida privada.
De acordo com a OMS, “O suicídio é um fenómeno complexo que, através dos séculos, tem atraído a atenção de filósofos, teólogos, médicos, sociólogos e artistas […]. Investigação actual indica que a prevenção do suicídio, embora possível, envolve toda uma série de actividades, que vão desde o proporcionar as melhores condições possíveis […], passando pelo tratamento eficaz de perturbações mentais, […] controle ambiental de factores de risco […] e educação da comunidade.” [1] Da contextualização descrita anteriormente pode retirar-se clara e inequivocamente que a prevenção deste problema passa, entre outras situações, por duas que acabam por trazer o tema do suicídio para as questões relacionadas com o meio laboral: o controlo ambiental dos factores de risco e a educação da comunidade. O controlo ambiental referido anteriormente nada tem a ver com o Meio Ambiente (Natureza), mas sim com toda a envolvência temporária ou permanente das pessoas. Entra, pois, neste contexto, a envolvência laboral, onde cada pessoa passa, em média, um terço do seu dia de vida adulta.
No biénio 2008/2009, em que o tema da campanha da AESST é a Avaliação de Riscos, é de todo pertinente considerar este tema e tratar de o incluir nas acções de sensibilização e de prevenção. De acordo ainda com a OMS, “Identificar os factores de risco associados com o comportamento suicida é um passo indispensável […]. O conhecimento de tais factores de risco pode orientar a prevenção bem como a intervenção […]” [1].
É claro que aqui se coloca logo uma questão: como pode um normal técnico de segurança, sem conhecimentos profundos sobre o tema, efectuar uma correcta avaliação de riscos, contemplando o suicídio como um comportamento possível, e tendo em atenção que este é mais provável em determinadas áreas laborais, como aquelas em que as pessoas disponham dos meios no seu local de trabalho que lhes permitam por fim à própria vida? Não pode, à partida! Pode, isso sim, ter em conta os factores de risco psicossociais relacionados com o local de trabalho, os quais podem contribuir de forma decisiva para tal desfecho. Não se pode deixar de lado, numa correcta avaliação de riscos, o problema que o trabalhador tem com o chefe ou com um seu colega e que lhe traz mau ambiente de trabalho. Da mesma forma, há que ter em atenção os problemas familiares e sociais que, muitas vezes, os trabalhadores trazem (às vezes dissimulados em atitudes, palavras, etc.) para o seu posto de trabalho; também não se podem excluir as dificuldades financeiras, a insatisfação com o trabalho, a dificuldade de aceitação, entre outros aspectos que influenciam negativamente a maneira de pensar do trabalhador e, consequentemente, a sua atitude perante a vida. Se uns há que conseguem “dar a volta por cima” e responder às adversidades de forma positiva (felizmente que a maior parte), outros há que tal não fazem e o suicídio surge, embora que indevidamente, claro, como uma pseudo-solução.
Um dos mitos à volta do suicídio é o de que “só acontece àqueles outros tipos de pessoas” [1]. Nada mais falso! “O suicídio acontece a todos os tipos de pessoas e encontra-se em todos os tipos de sistemas sociais e de famílias” [1]. Nenhuma profissão ou actividade laboral está, pois, isenta deste tipo de ocorrência. É claro que algumas, pelas suas características, exigência, meios ao dispor ou outros factores, são mais propensas. Veja-se o caso de uma das Forças de Segurança, amplamente noticiado há uns tempos nos meios de comunicação social, em que a taxa de suicídios no local de trabalho e fora deste, com ou sem meios de trabalho, subiu uma enorme percentagem este ano. No entanto, não é exclusivo deste tipo de actividade, pois todas as profissões têm no seu cerne um elemento fundamental com um componente psíquico que o distingue dos demais: o Homem.
“O suicida não é um homem que odeia a vida, como à primeira vista pode parecer. Pelo contrário: é um homem que a quer prolongar de qualquer maneira, nem que seja no remorso dos outros.” (Miguel Torga)
Tendo como ponto de partida o pensamento anterior, deixa-se uma questão ao leitor: qual o técnico de segurança que quer carregar nos seus ombros o remorso da morte de um trabalhador? Impõe-se um trabalho completo, sério, na execução da avaliação de riscos, de onde não podem ser excluídos, de forma alguma, os riscos psicossociais.
Suicídio como acidente de trabalho? Porque não? Porque sim? Fica a pergunta, sem uma resposta clara ao alcance de quem quer que seja, pois varia caso a caso. Contudo, os factores que estão na origem deste problema são, sem dúvida, de considerar, pois são extremamente objectivos: os riscos psicossociais. Há, pois, que os contemplar nos processos de avaliação de riscos, nem que para o efeito se tenha de integrar na equipa que efectua a avaliação pessoas com conhecimento específico para identificar mais facilmente as situações de perigo ou os perigos propriamente ditos que estão na origem dos riscos psicossociais.
Por: Miguel Alves Corticeiro Neves, Oficial da FA, Bach. Mecânica, Lic. Informática, TSHST, Doutorando em SHST
Bibliografia:
[1] “Prevenção do Suicídio – Um Recurso Para Conselheiros”, OMS, 2006;
[2] http://osha.europa.eu/pt/riskobservatory (consultado a 21 de Novembro de 2008);
[3] Arochena, J., “Acidente de trabalho e riscos psicossociais”, in www.ambitojuridico.com.br (consultado a 21 de Novembro de 2008);
[4] http://osha.europa.eu/pt (consultado a 21 de Novembro de 2008).
“1 – É acidente de trabalho o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho.”
No artigo seguinte, o 285.º, este conceito algo limitativo é alargado, tendo a seguinte contextualização:
“Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos definidos em legislação especial;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;
c) No local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
e) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso;
f) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por este consentidos.”
Este alargamento veio incluir algumas situações, nomeadamente as ocorrências verificadas no trajecto de e para o local de trabalho. Contudo, há uma outra situação não contemplada, mas que cada vez mais deve ser tida em conta, que é o aspecto do suicídio (sintoma de sofrimento egodistónico, ou seja, diz respeito ao sofrimento em desequilíbrio com o “eu”, é um sofrimento que não nos permite recuperar o equilíbrio perdido) no local de trabalho e a questão de ser ou não contemplado como acidente de trabalho. Não se pretende, com este artigo, categorizar o suicídio como acidente de trabalho, mas sim chamar a atenção para um conjunto de riscos psicossociais emergentes, onde um dos desfechos para os mesmos pode ser o suicídio.
“Qualquer dos riscos psicossociais podem, lamentavelmente, resultar no suicídio do trabalhador, o que nos leva à questão se seria possível qualificar o suicídio como acidente do trabalho” [3]. O autor desta frase apresenta, no artigo de onde a mesma foi extraída, argumentos a favor e contra a categorização do suicídio como acidente de trabalho. Um dos argumentos contra é a “possibilidade de fraude, pois quem já estivesse decidido a suicidar-se o faria em local e horário de trabalho para favorecer os beneficiários da pensão por morte” [3]. Apresenta como argumentos a favor, por exemplo, algumas citações de sentenças de tribunais, nomeadamente uma decisão de um tribunal da Galiza que “considerou acidente de trabalho o suicídio de um trabalhador uma vez que ‘desde oito dias antes do suicídio o trabalhador havia comentado que não era dono de si (e) que em casa algo estava acontecendo; havia deixado de se alimentar, mais, ainda assim, teve de seguir trabalhando, fazendo rondas, o que implicava uma acumulação de stress laboral; no mesmo dia do acidente tentou infrutiferamente comunicar-se telefonicamente com seu domicílio; e a acumulação de todos estes factores pessoais e laborais conjuntamente com o padecimento, influenciaram de forma decisiva para o desenlace autolítico, pelo que o dito desenlace tem uma conexão causal com o trabalho’”[3].
Contudo, o mesmo autor não explicita concretamente uma tendência no sentido de categorizar indubitavelmente, ou não, o suicídio como acidente de trabalho, deixando a porta aberta para que, situação a situação, caso a caso, e tendo em atenção os antecedentes de diversa ordem, essencialmente do suicida, tal possa ser considerado.
E porque é que esta questão do suicídio deve ser tida em conta, se a definição base de “acontecimento súbito e imprevisto” para um acidente de trabalho não parece enquadrar e/ou ajustar-se a um suicídio? A resposta não é directa, nem tão-pouco clara, mas também o é suficientemente aberta para que se possa considerar o suicídio como um acidente de trabalho. Basta, para tal, e como já foi referido, pensar-se numa categoria de riscos profissionais cada vez mais significativos: os riscos psicossociais.
O enquadramento de um acidente como sendo de trabalho, até há relativamente pouco tempo, parecia estar “reservado” à perda da saúde física dos trabalhadores. O facto de o estado de saúde de uma pessoa depender, quer da sua componente física, quer da psíquica, como, aliás, se pode depreender pela definição que a OMS (Organização Mundial de Saúde) faz de saúde e que é “o estado de bem-estar físico, mental e social completo e não somente a ausência de dano ou doença” vem “trazer à baila” a questão mais que nunca actual e pertinente dos riscos psicossociais.
De acordo com um relatório da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (AESST) (Janeiro de 2008), as novas tecnologias, os novos materiais e os novos e complexos processos de trabalho estão a contribuir decisivamente para as situações de riscos psicossociais daí decorrentes ou com elas relacionadas. Esta constatação verificou se e atribui-se ao facto de, até então, pouco ter sido feito ao nível da prevenção que as novas situações podem trazer ao nível do stress e mesmo até da degradação da saúde dos trabalhadores, seja a nível físico, seja mental [2].
Jukka Takala, Director da AESST, referiu que a “vida profissional na Europa está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado. A insegurança no emprego, a necessidade de ter vários empregos e a intensificação do trabalho podem gerar stresse profissional e colocar em risco a saúde dos trabalhadores. É necessário monitorizar e melhorar constantemente os ambientes de trabalho a nível psicossocial” [4].
Os riscos psicossociais são cada vez mais importantes, porque se desenrolam numa fronteira por vezes muito ténue entre o mundo privado – o psiquismo individual – e o mundo social, que inclui, entre outras, as situações vividas em ambiente de trabalho.
Por isso, os riscos psicossociais têm, nos últimos tempos, sido cada vez mais considerados e tidos em linha de conta pelos técnicos que efectuam as avaliações de riscos nas mais diversas empresas e/ou instituições, uma vez que os riscos psicossociais mais comuns e, ao mesmo tempo, importantes, estão relacionados aspectos como a insegurança no emprego, as exigências emocionais elevadas e a cada vez mais difícil conciliação vida profissional / vida privada. Sobre esta última questão, há a referir, como dado a observar, que mais de 40% dos trabalhadores da União Europeia com 27 Estados-Membros que têm horários de trabalho longos ou alargados indicam que é difícil a conjugação entre a sua vida profissional e a sua vida privada.
De acordo com a OMS, “O suicídio é um fenómeno complexo que, através dos séculos, tem atraído a atenção de filósofos, teólogos, médicos, sociólogos e artistas […]. Investigação actual indica que a prevenção do suicídio, embora possível, envolve toda uma série de actividades, que vão desde o proporcionar as melhores condições possíveis […], passando pelo tratamento eficaz de perturbações mentais, […] controle ambiental de factores de risco […] e educação da comunidade.” [1] Da contextualização descrita anteriormente pode retirar-se clara e inequivocamente que a prevenção deste problema passa, entre outras situações, por duas que acabam por trazer o tema do suicídio para as questões relacionadas com o meio laboral: o controlo ambiental dos factores de risco e a educação da comunidade. O controlo ambiental referido anteriormente nada tem a ver com o Meio Ambiente (Natureza), mas sim com toda a envolvência temporária ou permanente das pessoas. Entra, pois, neste contexto, a envolvência laboral, onde cada pessoa passa, em média, um terço do seu dia de vida adulta.
No biénio 2008/2009, em que o tema da campanha da AESST é a Avaliação de Riscos, é de todo pertinente considerar este tema e tratar de o incluir nas acções de sensibilização e de prevenção. De acordo ainda com a OMS, “Identificar os factores de risco associados com o comportamento suicida é um passo indispensável […]. O conhecimento de tais factores de risco pode orientar a prevenção bem como a intervenção […]” [1].
É claro que aqui se coloca logo uma questão: como pode um normal técnico de segurança, sem conhecimentos profundos sobre o tema, efectuar uma correcta avaliação de riscos, contemplando o suicídio como um comportamento possível, e tendo em atenção que este é mais provável em determinadas áreas laborais, como aquelas em que as pessoas disponham dos meios no seu local de trabalho que lhes permitam por fim à própria vida? Não pode, à partida! Pode, isso sim, ter em conta os factores de risco psicossociais relacionados com o local de trabalho, os quais podem contribuir de forma decisiva para tal desfecho. Não se pode deixar de lado, numa correcta avaliação de riscos, o problema que o trabalhador tem com o chefe ou com um seu colega e que lhe traz mau ambiente de trabalho. Da mesma forma, há que ter em atenção os problemas familiares e sociais que, muitas vezes, os trabalhadores trazem (às vezes dissimulados em atitudes, palavras, etc.) para o seu posto de trabalho; também não se podem excluir as dificuldades financeiras, a insatisfação com o trabalho, a dificuldade de aceitação, entre outros aspectos que influenciam negativamente a maneira de pensar do trabalhador e, consequentemente, a sua atitude perante a vida. Se uns há que conseguem “dar a volta por cima” e responder às adversidades de forma positiva (felizmente que a maior parte), outros há que tal não fazem e o suicídio surge, embora que indevidamente, claro, como uma pseudo-solução.
Um dos mitos à volta do suicídio é o de que “só acontece àqueles outros tipos de pessoas” [1]. Nada mais falso! “O suicídio acontece a todos os tipos de pessoas e encontra-se em todos os tipos de sistemas sociais e de famílias” [1]. Nenhuma profissão ou actividade laboral está, pois, isenta deste tipo de ocorrência. É claro que algumas, pelas suas características, exigência, meios ao dispor ou outros factores, são mais propensas. Veja-se o caso de uma das Forças de Segurança, amplamente noticiado há uns tempos nos meios de comunicação social, em que a taxa de suicídios no local de trabalho e fora deste, com ou sem meios de trabalho, subiu uma enorme percentagem este ano. No entanto, não é exclusivo deste tipo de actividade, pois todas as profissões têm no seu cerne um elemento fundamental com um componente psíquico que o distingue dos demais: o Homem.
“O suicida não é um homem que odeia a vida, como à primeira vista pode parecer. Pelo contrário: é um homem que a quer prolongar de qualquer maneira, nem que seja no remorso dos outros.” (Miguel Torga)
Tendo como ponto de partida o pensamento anterior, deixa-se uma questão ao leitor: qual o técnico de segurança que quer carregar nos seus ombros o remorso da morte de um trabalhador? Impõe-se um trabalho completo, sério, na execução da avaliação de riscos, de onde não podem ser excluídos, de forma alguma, os riscos psicossociais.
Suicídio como acidente de trabalho? Porque não? Porque sim? Fica a pergunta, sem uma resposta clara ao alcance de quem quer que seja, pois varia caso a caso. Contudo, os factores que estão na origem deste problema são, sem dúvida, de considerar, pois são extremamente objectivos: os riscos psicossociais. Há, pois, que os contemplar nos processos de avaliação de riscos, nem que para o efeito se tenha de integrar na equipa que efectua a avaliação pessoas com conhecimento específico para identificar mais facilmente as situações de perigo ou os perigos propriamente ditos que estão na origem dos riscos psicossociais.
Por: Miguel Alves Corticeiro Neves, Oficial da FA, Bach. Mecânica, Lic. Informática, TSHST, Doutorando em SHST
Bibliografia:
[1] “Prevenção do Suicídio – Um Recurso Para Conselheiros”, OMS, 2006;
[2] http://osha.europa.eu/pt/riskobservatory (consultado a 21 de Novembro de 2008);
[3] Arochena, J., “Acidente de trabalho e riscos psicossociais”, in www.ambitojuridico.com.br (consultado a 21 de Novembro de 2008);
[4] http://osha.europa.eu/pt (consultado a 21 de Novembro de 2008).
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